O buraco da democracia cultural


O buraco da democracia cultural


As Conferências de Cultura expõem de maneira impiedosa a fragilidade das metodologias de participação cultural, denunciando nossa precária democracia. Por outro lado, exercita nossa capacidade de organizar, participar, mobilizar, articular e definir os rumos da política cultural nacional. Novos métodos e tecnologias de diálogo precisam ser criados, pois os que existem são de tempos (ultra)passados.


Participar democraticamente da construção da agenda política nacional é algo tão distante da vida dos brasileiros, que se formaram e se desenvolveram como seres humanos, políticos, culturais, à sombra da ditadura, das elites, oligarquias e do Jardim Botânico, que simplesmente ficamos perplexos diante das novas possibilidades criadas a partir da presença indelével de um líder como Lula no poder.


Algumas reflexões sobre esse processo precisam ser feitas. A primeira delas é a construção da pauta. Esse processo precisa ser construído a partir de fóruns, redes, articulações e precisa ser descentralizado. Não dá para trabalharmos com pautas, por melhores que sejam (e o conteúdo da proposta do MinC é realmente bom), para não corrermos o risco constante do dirigismo.


As metodologias de eleição e validação de delegados e participantes dos processos decisórios é outro assunto de extrema importância. Ainda guardamos vícios do sindicalismo retrógrado e obsoleto, necessário e importante, mas que não pode ser aplicado às lutas culturais, sobretudo por não termos um tipo de organização que legitime uma representação por grupos de poder, ou mesmo de resistência. Não quero minimizar a importância desses grupos, mas também não posso deixar de alertar para o risco que corremos de sobrepor o interesse de minorias organizadas, que se ocupam de brechas do nosso frágil sistema representativo. Ou ainda de “líderes”, que ocupam as coordenações e secretarias que querem mostrar normalmente trabalho a qualquer custo, para o poder executivo local e ou regional, seja, através de assessores de prefeitos, governadores, algum serviço, e que repetem as velhas formas de se fazer política cultural, não há nada de novo, infelizmente, apenas, uma repetição de velhas formas e velhos erros... “tudo como dantes no quartel de abrantes”... triste realidade da cultural nacional, como sempre, discursos, discursos... e uma prática muito dispersa, muito, muito a desejar... em alguns casos completamente fora da realidade.


Não sei , se com aprovação da PEC-150 a proposta de Emenda a Constituição Federal se de fato, na prática, alguma coisa vai mudar, pelo simples fato de que o poder no Brasil ainda é exercido de forma cartorial... há uma pseuda democracia para "inglês vê", umas poucas discussões interessantes que fazem avançar o processo, no mais, uma repetição de fórmulas antiquadas, obsoletas e completamente inviáveis e inadequadas, um faz de conta de que agora as coisas vão funcionar...

Por último, quero apontar o risco da subordinação à agenda eleitoral. Sinto falta de uma construção e um diálogo permanente entre as instâncias de construção das políticas culturais. O Conselho Nacional de Política Cultural deve manter contato permanente com os delegados, por meio de instrumentos de conversação e rede e esses com todas as entidades culturais, as associações, as ongs, os artistas, enfim, todos as pessoas interessadas neste processo.


Há uma inversão completa nesse processo. O CNPC está subordinado ao gabinete do MinC quando deveria ser um conselho superior, escolhido e atuante a partir das demandas dos delegados, que por sua vez, deveriam surgir dos conselhos municipais e estaduais de cultura. Vejo que que há mesmo uma absoluta inversão de valores, e o que é pior, não vejo os representantes de entidades, ongs, instituições, associações de artistas em todos os lugares do Brasil, se manifestando a contento. Na prática pouco se muda, as transformações são ínfimas, quase imperceptíveis... Conferências de Cultura de faz de conta, as pessoas militantes da cultura são chamadas a participar de um processo de construção de Projetos de políticas públicas voltadas para a Cultura, mas, muito pouco se avança... infelizmente é a “política do faz de conta”.... uma repetição de erros de governos atuais na trilha de governos anteriores... apenas com uma nova roupagem, mas, as velhas práticas... muito discurso e muito pouca ação... sem falar no excesso de burocracia para se ter acesso aos recursos para viabilizar os Projetos, penso mesmo, que não há disposição verdadeira, para que esses recursos destinados a financiar a arte e a cultura sejam de fato liberados. E não se pode falar o que acontece, só denunciando o descalabro ou mesmo o descaso cometido pelos órgãos da administração pública em todos os níveis de poder, seja municipal, estadual e federal, infelizmente, esta é uma triste realidade, do comodismo latente que paira a sociedade brasileira.


Este abandono e descaso com o alinhavar das instâncias de participação e construção democrática formam buracos enormes, que se tornam intransponíveis à medida que o poder executivo trabalha para criá-los e ocupá-los. E todo o processo de construção das conferências corre o risco de tornar-se mero instrumento de manobra político-eleitoral, ou ainda de referendum daqueles que querem se perpetuar no poder.


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Leonardo Brant, Produtor Cultural, pesquisador e consultor de políticas culturais. Presidente da Brant Associados, autor do livro "O Poder da Cultura", entre outros. Documentarista, diretor de "Te Están Grabando”.

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